terça-feira, 27 de julho de 2010

Infra-estrutura por favor...



Na Folha de São Paulo de hoje, o senador Eduardo Suplicy escreveu um texto de opinião em parceria com Philippe Van Parijs, presidente do Conselho da Rede Mundial de Renda básica, sobre sua proposta polêmica de renda Básica para o Brasil. A ideia da renda básica é proporcionar a todos os cidadãos de um país, sem distinção de classe social ou condição financeira, um auxílio financeiro mensal, como forma de garantir um mínimo de renda mensal para todos.
A polêmica está na transferência direta de verba pública para as mãos de pessoas que não necessariamente precisam deste auxílio. Assim, pode ocorrer mal uso destes recursos a partir do momento em que eles serão destinados a camadas da população que não se beneficiam com o dinheiro, ao invés de serem investidos, ou até mesmo transferidos, para as pessoas em situação de pobreza ou risco social.
Ao mesmo tempo, no caderno Cotidiano, a Folha traz também uma matéria criticando os investimentos mal feitos em estradas do país. A reportagem conta alguns casos de obras públicas milionárias que parecem ter sido feitas com certo descaso ou sem manutenção posterior, o que acarreta uma redução importante na durabilidade destes investimentos.
Pois é a partir destes dois exemplos que reafirmo a convicção de que o investimento em desenvolvimento social e redução da pobreza deve sempre ser pensado em médio/longo prazo, e priorizando as questões de infra-estrutura coletiva e planejamento urbano. 
Pensemos assim: a linha da pobreza, definida pelo Banco Mundial, classifica o "pobre" como aquele que sobrevive com menos de U$1 dolar por dia. Pois bem, se levássemos em conta apenas esta classificação, a proposta de Renda Básica do senador Suplicy automaticamente excluiria todas as pessoas que estão abaixo dessa linha.
Porém, o que faria um cidadão com uma quantidade mínima de dinheiro nos bolsos, mas sem transporte para trabalhar ou mesmo utilizar essa renda? Ou o que ele faria com essa verba quando ficasse doente e não tivesse nenhum posto de saúde próximo a sua casa e nenhuma alternativa para se curar? Ainda, como ele poderia usar este recurso financeiro para educar seus filhos sem uma escola qualificada disponível?
É claro que poderia estender estas perguntas infinitamente, abordando questões como moradia, segurança, cultura, bem-estar e todas as outras esferas da vida humana que não são resolvidas apenas pela posse de dinheiro.
Por isso, se estivermos de fato dispostos a contribuir para que a Pobreza seja apenas uma lembrança negativa de tempos em que não soubemos nos organizar, temos que atuar em prol do desenvolvimento estrutural de nossa sociedade, garantindo que independente da riqueza pessoal de cada um, todos têm acesso ao mínimo para uma sobrevivência digna. Quanto mais conseguirmos igualar as oportunidades, mais facilmente concretizaremos o sonho do prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus, de "colocar a pobreza em um museu".

Obs: O Milennium Project estima - assumidamente sem grande precisão - que seriam necessários em torno de U$ 195 bilhões por ano em ajuda humanitária para se alcançarem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Isso representa em trono de 0,54 do PIB dos países ricos. Vale ressaltar que a Ajuda Oficial para o Desenvolvimento (ODA, em inglês) estabelecida pelos países ricos é de 0.7% do PIB, porcentagem esta longe de ser cumprida pelos proponentes.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Diagnóstico diferenciado na análise da ajuda humanitária


Esta semana o UOL publicou uma matéria que dizia que o Governo decidiu desbloquear R$2,5 bilhões do orçamento de 2010 após uma reavaliação das receitas e despesas programadas com base nas projeções de maior crescimento da economia e a estimativa de inflação mais baixa.

Qual é a quantia certa para um governo investir em educação? E qual será a porcentagem perfeita do PIB de um pais a ser investido em saúde? Como calcular a quantidade correta de ajuda humanitária a ser aplicada em uma comunidade ou país que precise de incentivos para se reestabelecer?
Cada vez mais, torna-se óbvia a necessidade de se observar o cotidiano e realizar levantamentos precisos em esferas detalhadas para o desenvolvimento social de paises e/ou comunidades. Não dá mais para se basear apenas em suposições ou simples projeções descontextualizadas para compor o orçamento de ajuda humanitária.
Sachs compara essa observação de caráter econômico com a prática médica de realização de diagnósticos diferenciados. A Economia Clínica, novo método de análise proposto pelo professor, prevê uma abordagem ampla e complexa em relação às causas e conseqüências da situação atual de uma comunidade ou país. Assim, muitas vezes há medidas que devem ser tomadas com urgência e administradas de uma vez para evitar um agravamento das condições atuais.
Mas a idéia de seguir um padrão de raciocínio lógico para a avaliação das próximas medidas é fundamental. Por isso, Sachs fala sobre 5 lições importantes que a boa medicina  tem a ensinar para o pensamento econômico. São elas:
1)Assim como o corpo humano é um sistema complexo, também são complexas as relações de causa e conseqüência dos problemas sociais. Uma falha pode levar a uma cascata de outras falhas. É preciso manter um funcionamento mínimo de todas as partes para evitar o descontrole da situação.
2)A complexidade exige um diagnóstico diferenciado. Quando um médico atende uma criança com febre, sabe que muitas podem ser suas causas. Algumas são perigosas, outras não. Cabe ao doutor avaliar uma lista de possibilidades, hierarquizando-as por sua probabilidade, sem descartar o fato que muitas condições são causadas por mais de um fator.
3) Toda medicina deve ser familiar. Não basta encontrar e tratar a doença apenas de uma criança, deve-se buscar compreender o ambiente e se os responsáveis são aptos a cooperar com a melhora da situação. No caso de um país, a comunidade global pode ser considerada parte da família.
4) Monitoramento e avaliação são essenciais para um tratamento bem sucedido. Uma ficha com o histórico e as questões específicas do paciente deve contribuir para a constante melhora na abordagem de cada um dos problemas. As evidências podem apontar para um caminho, mas o analista tem de estar preparado para fazer as mudanças necessárias na hora correta.
5) Medicina é uma profissão e com isso exige normas, ética e códigos de conduta. Portanto, os profissionais da área de desenvolvimento social também devem compreender seu papel, os limites de sua atuação e a responsabilidade envolvida em um trabalho deste porte.

Estas considerações estão no quarto capítulo do livro O Fim da Pobreza, de Jeffrey Sachs. Foi feita uma tradução livre e comentada das palavras do autor.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Risco de perder uma grande oportunidade


No último dia 8 de julho, foi aprovada a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2011. O foco dessa medida é a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpiadas que acontecerão no Brasil em 2014 e 2016, respectivamente.
Entre as alterações, estão a redução dos critérios para licença ambiental, desapropriação de imóveis e a possibilidade de se contratar empresas em regime emergencial, sem o cumprimento da Lei de Licitações nº 8.666. Porém, sem a obrigatoriedade das licitações, corre-se um alto risco de haver superfaturação de obras e monopólio por parte de algumas poucas empresas para receber a enxurrada de investimentos públicos e privados para o país.
Eu posso compreender a justificativa de que essas são ações para evitar o atraso de obras ou o embargo por parte de órgãos de proteção, sejam do meio ambiente ou mesmo das contas públicas (como o Tribunal de Contas da União). Mas ao mesmo tempo não podemos deixar essa empolgação toda corromper a democracia e abrir espaço para que aproveitadores usem destas brechas para uma ação indevida. (Afinal, é muito fácil caracterizar um projeto qualquer como "em situação de emergência" e com essa justificativa burlar qualquer sistema de controle social)
Além do risco financeiro, perde-se a oportunidade de estimular a criatividade e a concorrência dos diversos escritórios de arquitetura, engenharia e planejamento urbano, que com as licitações e a abertura de editais, poderiam elaborar projetos que contribuiriam não só com os dois eventos internacionais, mas também com a infra-estrutura permanente das cidades envolvidas. 
Quem já teve que fazer alguma licitação para o governo, sabe que o processo não é dos mais simples e rápidos, porém é uma garantia de tornar o processo transparente, aberto e competitivo, valendo-se da melhor proposta para cada edital.
O Brasil tem a oportunidade de usar estes dois eventos como catalisadores de um plano de desenvolvimento e infra-estrutura para o país. Só que para isso, será necessário que todos se envolvam para garantir o correto uso destes recursos, não só para o embelezamento dos eventos, mas também para investimentos em habitação, transporte, fornecimento de água limpa e saneamento básico, segurança pública, alimentação, incentivos para a agricultura e subsídios para pequenos e médios produtores e empreendedores, entre outras ações.
Entre fazer projetos monumentais que serão destaque por alguns meses dos holofotes internacionis e fazer um planejamento de médio e longo prazo de investimentos precisos para o desenvolvimento social do país, tenho que ficar com a segunda opção. E que consigamos não estragar mais essa oportunidade.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Vidas por um fio - Incêndio

Dessa vez foi na zona leste. Aparentemente em um lugar pouco chamativo, embaixo de uma avenida de porte considerável. Parece que a favela deu um último grito de desespero para ser vista pelo resto da cidade. Mas infelizmente, a chama da favela só brilha uma única vez.
As imagens – do UOL – trazem a triste constatação da fragilidade dos barracos que ali estavam. As poucas moradias de alvenaria, resistiram ao fogo, porém a grande maioria dos moradores teve todo o seu “patrimônio” consumido em algumas horas.
Os incêndios são calamidades cujas causas podem variar, desde criminais até os acidentes mais surpreendentes. O que entristece é saber que a dimensão destes eventos é, na maioria das vezes, amplificada pelo descaso cotidiano e a falta de investimentos direcionados ao desenvolvimento social e redução da população em situação de pobreza.
Apesar de eu concordar com algumas teses deterministas, inclusive a de Milton Santos, que relaciona o lugar de nascimento com as oportunidades de vida que uma pessoa pode ter, acredito que até o determinismo pode ser reduzido. Afinal, se pudermos garantir uma infra-estrutura melhor distribuída pelo mundo, em que consigamos expandir uma qualidade de vida razoável até para as localidades mais esquecidas, podemos extinguir os pontos determinantemente negativos.
Só por meio de uma mobilização global, com todos agindo diariamente pela garantia de direitos básicos e indiscriminados, que será possível driblar o determinismo de se estar no lugar errado na hora errada.

Aproveito para deixar uma série de links que encontrei em uma pesquisa rápida (coisa de 10 segundos procurando):
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2010/05/18/incendio-de-grandes-proporcoes-atinge-favela-naval-em-diadema-sp.jhtm

http://noticias.uol.com.br/ultnot/multi/2009/01/12/04023470DCA15326.jhtm?incendio-em-favela-de-sao-paulo-deixa-200-desabrigados-04023470DCA15326

http://noticias.uol.com.br/ultnot/multi/2009/01/27/0402366ADC896326.jhtm?incendio-em-porto-alegre-destroi-50-barracos-em-favela-0402366ADC896326

http://noticias.uol.com.br/album/20091912incendiobeira_album.jhtm#fotoNav=3 

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia/2010/05/18/incendio-em-favela-na-grande-sp-deixa-seis-feridos.jhtm

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia/2010/06/01/bombeiros-tentam-controlar-incendio-em-favela-em-sp.jhtm

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia/2010/05/28/bombeiros-controlam-incendio-em-favela-do-rio.jhtm

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Copa e nossos outros problemas

“O fim da pobreza vai exigir uma rede de cooperação global entre pessoas que  nunca se conheceram e que não necessariamente confiam umas nas outras”

Jeffrey Sachs,  em O Fim da Pobreza, no início do 12º capítulo Soluções Práticas para Terminar com a Pobreza

Em tempos de Copa do Mundo e euforia mundial, é inevitável não se zangar com a incrível mobilização de bilhões de pessoas para uma causa e não para outras. Confesso que consigo compreender e tolerar o fanatismo ao redor do futebol e dos outros esportes. Afinal, entretenimento e cultura são fundamentais para o desenvolvimento social e a satisfação dos prazeres pontuais, que nos incentivam a continuar existindo.
Mas, ao mesmo tempo, sinto falta de enxergar esse potencial de mobilização que demonstramos em situações específicas em outras situações que clamam por um comprometimento global. São tantos os chamados e apelos por um envolvimento de toda a sociedade no auxílio àqueles que ainda vivem em situação de pobreza, miséria ou indigência, que parece injusto observar o comportamento mundial em relação à Copa.
Com certeza já temos conhecimento, ferramentas e tecnologia suficiente para resolver grande parte dos problemas que ainda hoje assolam um contingente imenso de pessoas ao redor do mundo. Basta direcionarmos nossos objetivos e ações para este fim e poderemos em breve comemorar muitos outros feitos globais.
Será que se propuséssemos uma competição entre os diversos paises, estabelecendo critérios, regras e prazos para a erradicação da pobreza e atenuação das desigualdades sociais, conseguiríamos atingir o mesmo contingente de pessoas? E será também que conseguiríamos levantar a mesma quantidade de recursos?
Penso que levaríamos vantagem pois não seria necessário repetir o processo a cada quatro anos, mas se fossemos tão focados e dedicados, poderíamos realizar este evento apenas por alguns poucos anos, e nos seguintes estaríamos ocupados assistindo igualmente o futebol ou qualquer outro evento internacional.
Fica aqui a sugestão de leitura: O Fim da Pobreza, do Jeffrey Sachs, um dos idealizadores do UN Millennium Project e do Earth Institute. Em breve faço uma resenha deste e de outros livros sugeridos.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Em construção... até quando?

Sempre que entro em uma moradia dentro de uma favela ou comunidade sou consumido por uma duplicidade de sentimentos. Na maioria das vezes, a família conta detalhes da fragilidade de sua casa, como o temor constante das chuvas e ventos que trazem instabilidade às paredes frágeis de madeirite. Ao mesmo tempo em que ouço atentamente o cuidado diário que um barraco como estes exige para manter-se de pé, compreendo que a fala traz escondido um caráter provisório da situação.
"Vivíamos de aluguel mas perdi o emprego e estava difícil de pagar, então viemos para cá", conta Cremilda, moradora da comunidade de Santa Emília, em Osasco, que afirma já estar ali há mais de 10 anos. Ela mora com seus 5 filhos em um barraco de madeirite sob o córrego que atravessa toda a favela. Sua casa alaga com qualquer chuva e sofre todos os dias com invasões de ratos e outros animais.
Essas famílias se veem obrigadas a reerguer todos os dias não só sua habitação mas também seu espírito de luta. Com renda familiar total de R$510,00 mensais (renda por pessoa estimada em R$85 mensais), esta família, a principio, classifica-se acima da linha da pobreza - de U$1 dolar por dia. Será que a definição de linhas de pobreza e indigência não carece uma reavaliação?
Fico pensando como um chefe de lar de uma família nessas condições pode se dar ao luxo de planejar um futuro distante dessa realidade, se nem mesmo a situação precária atual é vista como estável. Como parar de reconstruir todos os dias para estabelecer-se dignamente em definitivo?
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