segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Um outro olhar sobre a exclusão

Discutir exclusão social é uma tarefa difícil. Ao mesmo tempo em que é um tema amplamente comentado, na maioria das vezes é sempre observado sobre uma ótica unidirecional. Ou seja, estuda-se o “excluído involuntário”, aquele que por alguma razão – ou um conjunto delas – situa-se à margem de alguma condição social de maioria.

É sempre o morador da favela, da periferia, de rua, o pobre ou o outro que é taxado de excluído, em relação ao que “nós” possuímos. Porém poucas são as vezes em que temos a sinceridade de nos enquadrar em uma outra classificação de excluídos: os excluídos voluntários.

O indivíduo que escolhe, voluntariamente, se posicionar às margens de uma realidade tida como mais complicada também está se excluindo. Explico: manter uma relação com o desfavorecido, o pobre, o favelado ou o morador da periferia apenas no campo das idéias é uma forma até mais cruel de exclusão. Abdica-se do dever de colaborar com esta pessoa em situação desfavorável em troca de um discurso, uma postura distanciada e uma série de justificativas aparentemente plausíveis.

Opta-se por uma postura distanciada, fazendo vista grossa aos problemas reais e enquadrando a complexidade dos problemas possíveis como se fossem um bloco só (do qual queremos distância);

Porém, urge a necessidade de um novo olhar sobre a exclusão. Não apenas incluir os desfavorecidos à vida publica e seus benefícios, como também incluir esta grande maioria já estável na solução dos problemas sociais. Na prática, há a necessidade de substituir esta lógica que divide a sociedade em duas para reestabelecer um sentimento de co-responsabilização pelo outro.

sábado, 14 de agosto de 2010

Não paguem às nossas crianças, eduquem-nas!


                                      
Muito se escuta - e se fala - sobre a importância da educação para o crescimento e desenvolvimento de um país. Porém, raras são as vezes em que se é possível observar e discutir qual educação, de que forma ela deveria acontecer, e quais os meios para deixá-la mais atrativa e, portanto, mais eficiente.
Na Folha de São Paulo de ontem, o caderno Cotidiano traz uma reportagem sobre um projeto chamado Multiplicando Saber. Nem vou começar dizendo "a ideia é boa, mas..." porque particularmente não acho o princípio positivo. O projeto é um piloto, fruto de parcerias interessantes: o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organizações Não-Governamentais, professores da Universidade de São Paulo (USP), e pesquisadores da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE).
A proposta se divide em duas iniciativas principais. Primeiro, jovens do 2º e 3º ano do ensino médio poderão se inscrever para serem tutores em matemática de "pupilos" da 6º ou 7º série do ensino fundamental. A segunda iniciativa é premiar os chamados pupilos que comparecerem a um mínimo de aulas de reforço escolar (pois elas são recomendadas, mas não obrigatórias).
Os tutores selecionados receberão R$115,00 para ministrar estas orientações e os pupilos serão beneficiados com R$50,00 se atingirem a presença mínima. A própria matéria traz opiniões divergentes. Enquanto alguns afirmam ser uma iniciativa louvável para criar um certo compromisso com a melhora do aprendizado em matemática, educadores expressam certo repúdio ao vínculo financeiro e à falta de capacitações propostas aos tutores.
A minha pergunta é: será que a matemática é indiscutivelmente chata e a única solução para despertar o interesse de crianças, naturalmente sedentas por aprendizagem, é o vínculo direto com benefícios materiais?
Fico pensando se não há outras formas mais interessantes de despertar o prazer em aprender, em se relacionar com o outro por meio do conhecimento e a superar as dificuldades de aprendizado do que apenas vinculando o sucesso escolar com bonificações de toda ordem. Afinal, a dificuldade em uma matéria específica como a matematica pode ser o reflexo de uma série de outros fatores que atrapalham o desenvolvimento do raciocínio e o desenvolvimento da criança.
O que estas crianças estão de fato precisando é uma educação baseada em valores, que contextualize o aprendizado e contribua para a inserção social. Assim, gostaria de citar o Projeto Entreeducar como uma iniciativa pioneira na forma de complementar o ensino formal, e de colaborar para o desenvolvimento de uma relação afetiva entre o educando e o conteúdo aprendido. Para isso, universitários da FGV reunem-se semanalmente para elaborar e discutir atividades educativas lúdicas e dinâmicas. Assim, aos sábados, as crianças podem participar de momentos educativos não convencionais. Por exemplo: Um caça ao tesouro deixa de ser em busca do tesouro do pirata e passa a ser em busca dos segredos da matemática. O mapa é substituído por pistas que levem em conta os conhecimentos que a criança tem sobre as matérias escolares, e o educando é confrontado na prática a desenvolver suas capacidades de raciocínio. Aproveita-se o espaço de diversão para contextualizar o aprendizado. 
Dessa forma, é possível trazer o jogo e a brincadeira - tão presentes e importantes no nosso desenvolvimento intelectual - como complementos para atrair o interesse dessas crianças com dificuldades. O Entreeducar aproveita-se do potencial existente na universidade para propiciar uma troca de experiências de interesse mútuo. Sensibilizando as futuras lideranças do país por meio do contato direto com crianças do ensino público de base. O Projeto está aos poucos saindo de sua fase experimental, acumulando parceiros e admiradores na construção de uma outra forma de se relacionar com a educação. 

domingo, 8 de agosto de 2010

A Torre 2: Alta tensão



Viver na beira de uma das estradas de maior movimento do Brasil já seria desagradável o suficiente. Morar em uma região sem infra-estrutura, abandonada pelo poder público e palco de disputas territoriais por parte de grandes companhias de, adivinhe: infra-estrutura.
Na comunidade conhecida como "da Torre", localizada na entrada de Guarulhos pela Rodovia Fernão Dias, os habitantes se viram obrigados a estabelecer suas moradias apoiadas nas grandes estruturas metálicas que carregam milhares de Volts de eletricidade sem parar. Com a grande maioria das casas feita de restos de outdoors e madeira podre, a comunidade ainda possui uma série de características atenuantes à situação de vulnerabilidade e risco social.
A grande quantidade de lixo depositado no entorno, somado à proximidade com um córrego sem escoamento correto, atraem para a região um odor desagrádavel e constante, que marca até no olfato a precariedade da condição de vida daquelas pessoas. Incomodando a visão e a tranquilidade das famílias estão as imensas estruturas da rede elétrica que servem de apoio estrutural para algumas moradias empilhadas sem planejamento.
Da mesma forma que essas estruturas dão certo suporte as construções improvisadas, também relembram o tempo todo o perigo desta proximidade com a rede elétrica, resultando em um número razoável de mortes por causa do contato direto com a eletricidade. Os moradores que ali residem - alguns com mais de dez anos de "casa" - dizem já ter se acostumado com a condição, e agora reclamam da remoção feita pela prefeitura, em nome das empresas de energia (ir)responsáveis pela área.
Não há dúvidas de que esta comunidade não deveria ter se estabelecido nesta região, deste modo. Porém, poucas são as soluções encontradas pelo poder público e por empresas privadas para realocar estas pessoas para outro lugar mais seguro. Quando a funcionária da prefeitura foi confrontada sobre o futuro destas pessoas, primeiramente afirmou que "estas pessoas" sempre voltam a morar nestas condições.
Mas quais são os incentivos, ou mesmo as alternativas que estão sendo dadas para evitar que estas famílias que atualmente estão desestruturadas e/ou passando por uma dificuldade extrema possam sair desta condição? Com certeza, se as oportunidades certas estivesses disponíveis, todos poderiam encontrar uma alternativa menos cruel e se reerguer aos poucos.


domingo, 1 de agosto de 2010

A Torre

Gurarulhos, Comunidade da Torre sendo desocupada

Sexta feira passada fui conhecer algumas comunidades do entorno da Rodovia Fernão Dias, bem próximo à saída de São Paulo. Com dois amigos da Ong Um Teto Para Meu País, saímos em busca de alguns endereços que já tínhamos pesquisado, mas andando pela rodovia, avistamos um aglomerado de moradias que se amontoavam embaixo da rede elétrica que acompanhava a estrada. Resolvemos parar.
Quando descemos do carro, ainda estávamos em uma ruela de casas de alvenaria e nos indicaram que continuássemos indo até a comunidade conhecida como "A Torre". Após cruzar um córrego muito sujo, começamos a caminhar pela favela e percebemos que havia uma tensão por todo o lugar (além da tensão dos fios elétricos que atravessavam grande parte das moradias).
Para entender: a região em que essa comunidade se formou passa por baixo dos fios de eletricidade e termina em um córrego, tudo isso quase à beira da Rodovia Fernão Dias. Todos os barracos que pudemos observar eram feitos de madeirite ou restos de madeira (como outdoors, estrados de camas, "palets" e etc.). Há uma grande quantidade de lixo por todo o percurso e não há sinal algum de infra-estrutura básica. A sensação é de que estávamos em um campo de refugiados ou algo do gênero.  
As famílias nos contaram que estavam sendo desalojadas pela prefeitura, pois a região pertencia à duas empresas privadas que solicitaram reintegração de posse, e a Prefeitura de Guarulhos estava realizando a remoção bem na hora que chegamos. Alguns funcionários pichavam a fachada dos barracos com um "D", de desocupado e seguiam em frente cadastrando as famílias.
De fato, a situação é extremamente precária e perigosa para todos os moradores da comunidade da Torre, e mesmo assim ouvimos moradores que residiam ali há mais de 10 anos. Agora, estavam sendo despejados, sem lugar para onde ir, e recebendo uma chamada bolsa-aluguel, de 1200 reais para sobreviverem 4 meses (os moradores apelidaram o tal benefício de "bolsa-despejo"). 
Não há dúvidas que aquelas pessoas não deveriam viver em uma situação como a que vimos, mas com certeza a simples expulsão, sem uma proposta alternativa de moradia, obrigará estas pessoas a migrarem para uma situação ainda pior (se é que isso é possível). As famílias estavam sendo obrigadas a deixar suas moradias em poucos dias, sem estrutura para encontrar um lugar decente e de menos risco e vulnerabilidade. Com certeza, quem tomou a decisão da desapropriação em uma sala de escritório, não sabe - e nem deve querer saber - qual será o destino dessas mais de 380 famílias que ali viviam.
Como cada um faz apenas uma parte do serviço, ninguém consegue ficar de fato sensibilizado com a situação da comunidade. Os funcionários da Prefeitura apenas cadastravam as famílias e marcavam as casas que tinham de ser desocupadas. Uma construtora apenas levava os bens das poucas famílias que tinham outro destino já acertado. Os advogados e a Prefeitura apenas assinaram alguns papéis de reintegração de posse. E ali, as famílias tinham que, apenas, encontraram um novo lugar para reconstruir e reerguer novamente suas vidas (com 300 reais por 4 meses).
Impossível não lembrar das palavras de Adolf Eichmann, em seu julgamento no pós-Segunda Guerra Mundial, quando afirmou que não podia ser considerado culpado pois apenas fazia seu trabalho como oficial nazista e era apenas uma pequena peça de toda a estrutura. (A Hannah Arendt escreveu bastante sobre essa questão em seu livro Eichmann em Jerusalem, em que utiliza-se da expressão "banalidade do mal")
Pretendo escrever mais sobre a comunidade da Torre, pois ela possui uma série de particularidades que valem a pena registrar.





















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